MANUEL BANDEIRA, “A LÍNGUA CERTA DO POVO” E A IDENTIDADE PERNAMBUCANA/BRASILEIRA

“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada”
(BANDEIRA, 1993:135)

Manuel Bandeira é uma entusiasta da cultura brasileira. Em seu poema “Evocação do Recife”, esta presente a questão da existência de uma língua brasileira que precisava ser incorporada pela
literatura daquela época apresentada de forma direta, quando se refere
à “língua certa do povo” como “português do Brasil”. É impressionante como uma obra de 1930 pode representar algo tão presente em nossa cultura: o conflito entre a dominação de padrões culturais comportamentais estrangeiros e a sobrevivência de nossa cultura local. Bandeira fez uma severa crítica presente na incoerência de muitos autores a ele antecessores e outros de sua época que tentavam representar nossa cultura através de padrões estéticos vindos de escolas artísticas de outros países. Bandeira representou a desconstrução desses padrões; a negação. Optou por um estilo de composição literária simples e direto; simples e direto como o povo brasileiro, como pode-se observar na estrofe a seguir:

“Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
– Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!

Hoje, no século XXI, é normal escutarmos nas rádios ou vermos na televisão produções culturais que nada tem a ver com nossa cultura local. O Saci e o Curupira parecem fazer parte de um Brasil retrógrado e antiquado; o esconde-esconde e o pega-pega perdem cada vez mais espaço para os iphones. Grande parte disso se deve ao processo de globalização. Para Manuel Castells a forma como se estrutura o processo de globalização gera desigualdades: o que tem valor é articulado em rede, enquanto os demais ficam excluídos. O iphone gera valor (para alguém), as velhas brincadeiras de infância perdem espaço no tempo de nossas crianças. As calçadas servem para o comércio ambulante e para a circulação de fluxos de pessoas, de capital, de alimento e etc. Não mas servem como espaço de convívio. Assim, parecemos sucumbir perante a as relações de produção e consumo, como Bauman disserta em seu texto “Turistas e vagabundos”. Hoje em dia, a “língua certa do povo” está sujeita a neologismos forasteiros e regionalismos são motivos de gozação: o local sucumbe ao global. A rede ganha o espaço do convívio pessoal. Agora nos resta apreciar a poesia de Bandeira e entender o que o mesmo quis dizer na estrofe a seguir:

“Recife…
Rua da União…
A casa de meu avô…
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife…
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.”

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